Saturday, January 19, 2013

A guerra dos fórmulas

Quando foi anunciada a criação da Fórmula Super Vê, em 1973, quem tremeu foi a Ford. A fábrica tinha envolvimento com o automobilismo de competição desde 1968, e se contarmos a Willys, comprada pela Ford, desde 1962. De fato, era a fábrica com maior tradição no automobilismo brasileiro, de longe.

Com o advento da Super Vê, pela primeira vez o automobilismo brasileiro teria duas categorias de monopostos (se considerarmos que a Mecânica Continental e a Fórmula Junior na realidade foram fundidas em uma só categoria desde o princípio). A Fórmula Ford fora criada em 1971, e reinava suprema desde então, tendo sido o campeonato, a certa altura, chamado de Campeonato Brasileiro de Velocidade, com certo exagero.

Ocorre que a Fórmula Ford era equipada com motores do Ford Corcel, na realidade, um motor Renault. Este não era muito potente na forma natural, e para manter os custos baixos, a Ford criou um regulamento que permitia uma pequena quantidade de modificações, pneus normais e pouca aerodinâmica. O Corcel tinha um motor tão fraco que de forma geral, era desprezado na Divisão 3 e 1, sendo somente utilizado com frequência no Rio Grande do Sul, onde existia uma categoria para carros de até 1300 cc na Divisão 3.

Por outro lado, se os carros da Fórmula Vê 1200 em 1967 eram bastante vagarosos, em 1973 o preparo de motores VW 1600 no Brasil evoluira bastante. De fato, alguns Fuscas de Divisão 3 eram mais rápidos do que diversos Opalas e carros de maior cilindrada que ousavam enfrentá-los como Darts, FNMs e os velhos Simca, e na versão 2 litros, os carros com motor VW faziam alguns protótipos com motores Ford, Chrysler e Chevrolet com mais de dobro da cilindrada passar vergonha.

A conclusão, quase óbvia, foi que os Super-Vê dariam um verdadeiro banho nos FF no regulamento existente em 1973, em termos de velocidade, ofuscando o brilho hegemônico da FF.

A reação da Ford fez sentido, embora não tenha sido sábia. Mudou-se o regulamento da FF, permitindo muitas custosas mudanças nos motores, pneus de corrida e implementos aerodinâmicos, diferenciando bastante a nossa FF até mesmo da categoria internacional.

Nessa forma, a mais cara FF brasileira sobreviveu durante duas temporadas, 1974 e 1975, os dois primeiros anos da Super-Vê. Em 1974, a equipe Hollywood foi a única a ter um carro altamente competitivo. Clovis de Moraes, em conjunto com Oreste Berta, preparou motores que eram verdadeiros rojões. Um chegou a ter mais de 130 HP, ao passo que outros tinham entre 120 e 115. No ano anterior os melhores carros tinham na melhor das hipóteses, 90. Assim, não foi surpreendente que Clovis tenha ganho todas as corridas do campeonato de 1974, geralmente seguido dos seus companheiros de equipe Claudio Muller e Enio Sandler. O carro de Clovis era tão rápido que bateu o recorde da própria Super-Vê, no recém inaugurado autódromo de Goiânia.

Esse foi o lado positivo. No lado negativo, os grids da FF foram paupérrimos em 1974, com pouco mais de dez carros, ao passo que em 1973 a média superava 20. A Ford conseguiu fazer uma categoria quase tão rápida quanto a Super Vê, entretanto, a diferença foi o empenho e peso do marketing da VW  usado na Super-Vê que atraiu participantes e patrocinadores.

Assim que, embora as duas primeiras corridas de Super-Vê tenham contado com poucos carros, o número de inscritos aumentava com cada etapa. Ao passo que o plantel da FF era formado em grande parte de Binos baseados num Merlyn de 1970, a Super-Vê contava com diversos construtores, inclusive o Polar cujo monocoque era supostamente baseado num recente Shadow de F-1. Para fazer a FF vingar, seria necessário mais do que um regulamento, pois faltava competitividade na categoria.

Em 1975, a VW, feliz com os resultados de 1974, aumentou os prêmios e promoção da categoria, incluindo transmissões televisivas. Além disso, criou um campeonato paulista, e para horror da Ford, ressuscitou a Fórmula Vê. Os grids da Super Vê assumiram proporções nunca vistas em provas de monopostos no Brasil, e de fato, a final de 1975 teve 41 carros na largada da primeira bateria. Diversos grandes nomes aderiram à categoria.

Enquanto isso, a Ford fez o que podia. Também aumentou seus prêmios, e a inclusão do brasileiro de Divisão 3, patrocinado pela Caixa Econômica, junto com o calendário da FF ajudou um pouco, afinal de contas campeonato de D3 (Classe C)já era dominado por um outro produto Ford, o Maverick (sem esquecer que os danados dos Fuscas continuavam o domínio da classe A, e contavam com maior simpatia do público). Entretanto, ao passo que nas corridas de Super-Vê haviam 10 ou 12 pilotos em condições realistas de ganhar cada corrida, na FF a competição se resumia a Clovis de Moraes, Francisco Feoli, Raul Natividade e Marivaldo Fernandes.

No meio do ano, Luis Greco, ligado à Ford, chegou a fazer viagens  à Europa para estudar a possibilidade de criar uma Fórmula Super Ford no Brasil, com motor do Maverick 4 cilindros, com cilindrada reduzida para 2 litros. A ideia era voltar ao regulamento antigo da FFord, que seria uma categoria para competir diretamente com a menos veloz Fórmula Vê, que supostamente seria implementada em nível nacional em 1976, e criar a Formula-Ford 2000, com chassis baseados no Lola inglês, que assim seria a concorrente da Super-Vê. Dada a maior cilindrada, em tese os carros da "Super-Ford", ou melhor, Fórmula Maverick, poderiam ser até mais rápidos.

No fim prevaleceu o bom senso. A Super-Ford não foi criada, a FF voltou ao seu regulamento antigo para 1976, e a Super Vê virou a Fórmula VW 1600, e a Fórmula Vê, a Fórmula VW 1300. Simplesmente não havia mercado suficiente para quatro categorias de monopostos no país, e de fato, até mesmo os vistosos grids da Super-Vê de 1975 ficaram um pouco mais enxutos em 76.

A FF, por outro lado, teve um número maior de concorrentes, possibilitado pela presença de novos carros Heve vendidos a pilotos do Planalto Central, além de Avallones e alguns Polar.

A Ford perdeu esta batalha, porém, ganhou a guerra. A Fórmula VW 1600 sobreviveu somente mais quatro temporadas, ao passo que a FF existiu até os anos 90.

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami  



1 comment:

  1. E infelizmente a F-Ford inglesa virou monomarca atualmente.......um triste noticia, creio que era a ultima a ter mais de 5 marcas diferentes de chassi, quando vi a novidade confesso que me deu um profundo desanimo.

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